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Coluna Marcelo Moryan: Café Nespresso: aula prática de como humilhar clientes
Por Marcelo Moryan
Publicado em 28 de setembro de 2025 às 18:00
Atualizado em 28 de setembro de 2025 às 18:00
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O dia em que o marketing perdeu para o atendimento
Sou cliente Nespresso há vinte anos e membro do Clube há dezesseis. Não sou “mais um CPF” na base: sou daqueles que evangelizam amigos, que presenteiam máquinas, que contam histórias. Minha filha, há menos de quatro meses, levou para casa uma Vertuo. Eu mesmo já escrevi uma crônica — “Saudades com Maestria” — celebrando café, memória e afeto. O que dizer, então, da xícara amarga que me serviram no quiosque do Shopping Vitória no dia 24 de setembro? Foi a crema da desilusão, com aroma de humilhação e notas persistentes de preconceito.
Cheguei simples, como sempre fui: camisa básica, calça jeans, nenhuma ostentação — só a vontade de reabastecer meu cantinho do café e conhecer os novos lançamentos. Perguntei ao vendedor sobre cafés. A resposta veio sem corpo, sem suavidade e com acidez cortante: “Vai comprar? Tem matrícula? Pelas normas, degustação é só para cadastrado.” Tentei lembrar — com a paciência de quem escolhe a cápsula certa para cada momento — que já estive ali inúmeras vezes, que sou cliente. Insisti com uma pergunta técnica, dessas que apaixonados por máquinas fazem: a máquina brilhosa tem acabamento em inox? O moedor da indiferença girou de novo: “É plástico”, soltou, com aquele aftertaste de deboche que gruda no paladar.
O olhar que me serviu não foi de barista — foi de porteiro de clubinho, como quem mede gente pela etiqueta da roupa, não pelo respeito devido. Saí dali com o gosto queimado de quem foi tratado como intruso na própria casa — ou pior, como mendigo à porta de um templo que frequento há duas décadas.
Atravessei o corredor e caí no quiosque da Delta Cafés. Fui recebido com humanidade: sorriso, conversa, xícara oferecida sem inquérito. Degustei. Fui ouvido. Fui gente. E percebi, naquela xícara honesta, a diferença entre marcas que treinam pessoas para servir café e marcas que treinam pessoas para servir planilhas.
Escrevi para a Nespresso. Veio de volta uma resposta pasteurizada, dessas que trocam o nome do cliente por parênteses. Um e-mail com “Prezado(a) Sr.(a)”, tão genérico que parecia acreditar que um robô degustaria meu café. A crema do descaso subiu mais um dedo. De que vale um marketing perfumado se o atendimento fede a desinteresse?
Há vinte anos, compro em generosas quantias — online ou no próprio quiosque de Vitória. Sou matrícula 88041, membro do Clube há 16 anos. Não peço tapete vermelho; peço o básico: respeito. Café é gesto, hospitalidade, memória boa. Quem faz café sabe: o que estraga uma bebida não é só a torra errada; às vezes, é a moagem grossa da empatia, é a água morna da arrogância, é o preconceito que amarga tudo.
Porque degustação não é esmola. É ferramenta de venda. E cadastro não é colete à prova de humanidade. Quando um vendedor começa uma conversa perguntando se “vai comprar”, a marca desistiu de construir vínculo e passou a medir ticket. Quando um funcionário debocha de uma pergunta técnica e rebaixa o cliente, a marca terceiriza ao balcão o poder de excluir. Quando a resposta oficial chega em modo automático, sem um minuto de leitura atenta do relato, a marca precisa de café forte — e rápido — para acordar.
A ironia dos nomes
Nespresso, vocês ergueram um império sobre a experiência: cápsula como ritual, máquina como design, comunicação como estilo de vida. Mas, no Shopping Vitória, o shot que serviram foi um Ristretto de humanidade — concentrado demais no amargor, sem espaço para suavidade. Ali, o marketing perdeu para o atendimento. Não foi um erro de extração — foi desrespeito moído fino e passado na hora. E todo mundo em volta sentiu o cheiro.
O tratamento que recebi não teve nada de Volluto — foi áspero, sem suavidade. Não houve Livanto na abordagem — só peso e rispidez. Faltou Capriccio na hospitalidade — zero capricho, zero cuidado. E definitivamente não foi um Fortissimo Lungo de cortesia — foi curto, seco e amargo até o fim.
Enquanto isso, a concorrência ao lado entendeu o óbvio: oferecer um gole é abrir conversa; anotar preferências é construir memória; responder com o nome do cliente é lembrar que há uma pessoa desse lado do balcão. Não é sobre café; é sobre cultura. É sobre treinar menos scripts e mais escuta. É sobre parar de confundir “norma” com muro.
O cupping da decepção
A Nespresso adora falar de origem — Colômbia, Etiópia, Indonésia — e de perfis sensoriais: acidez brilhante, corpo redondo, notas de cacau, especiarias. Pois aqui vai o meu cupping de cliente: no quiosque do Shopping Vitória, encontrei uma torra excessiva de soberba, um corpo ralo de empatia e um final prolongado de desprezo.
Não foi Dharkan — intenso e envolvente. Foi Kazaar demais — amargo e agressivo. Não teve a elegância de um Roma — foi grosseiro como um café mal extraído. E certamente não foi Ispirazione Italiana — foi inspiração zero, italianidade nenhuma. A cápsula mais cara que existe é a reputação. Uma vez oxidada, nem o melhor press kit salva.
O caminho da redenção
Não escrevo para cancelar. Escrevo para lembrar que marcas vivem de repetição — e esse tipo de atendimento, se repetido, vira cultura. Vocês podem corrigir: treinar, supervisionar, medir satisfação real, abrir a degustação como ponte e não como pedágio, revisar a política local, reescrever respostas que parecem geradas por robô e assiná-las com gente. Podem, inclusive, começar por onde tudo começou: pedindo desculpas de verdade.
E, se quiserem mesmo um gesto à altura, ofereçam a quem humilhou a chance de recomeçar — com formação e acompanhamento — e a quem foi humilhado, a certeza de que isso não se repetirá. Do contrário, está na hora de mudar o nome para “DESPRESSO”.
Eu sigo apaixonado por café. Mas, a partir de hoje, não confundo mais cápsula com caráter. Quem decide para onde vai o meu dinheiro não é o slogan: é quem está do outro lado do balcão. What else? A pergunta que George Clooney fez famosa agora tem resposta: educação, empatia, humanidade. Coisas que não vêm em cápsula.
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As informações e/ou opiniões contidas neste artigo são de cunho pessoal e de responsabilidade do autor; além disso, não refletem, necessariamente, os posicionamentos do folhaonline.es
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