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Coluna Marcelo Moryan: COISA DE POBRE: declare sua falência da ostentação
Por Marcelo Moryan
Publicado em 12 de outubro de 2025 às 18:00
Atualizado em 12 de outubro de 2025 às 18:01
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O livro “Coisa de Rico”, de Michel Alcoforado, é um convite irônico: enquanto a elite domina a arte do “Luxo Silencioso” (Quiet Luxury), o resto de nós mergulha na Armadilha da Ostentação.
A grande tragédia cômica da vida atual não é a ausência de dinheiro, mas o esforço hercúleo para fingir que ele existe.
Alcoforado revela que, no topo da pirâmide, a riqueza virou um código de reconhecimento para “quem é de dentro”. O rico não precisa de logos berrantes; seu poder está no tempo livre e nos locais exclusivos que validam seu “berço”.
A ironia cai como um raio sobre as classes média e baixa, onde o consumo deixou de ser satisfação e virou performance exaustiva. A ostentação não é excesso; é obrigação social e digital.
Em 2025, nossa “Coisa de Pobre” é o crédito rotativo. É a luta para parcelar em 12x um celular que garante apenas a qualidade da foto que simula uma vida rica. O produto real não é o bem; é a ilusão que ele projeta nas redes.
Essa dinâmica tem raízes profundas. O sociólogo Jean Baudrillard já falava da “sociedade de consumo”, onde os objetos perdem valor de uso e ganham apenas valor de signo. Hoje, o tênis é menos para caminhar e mais para significar: “Eu tenho poder de compra (mesmo que seja emprestado).”
Para o rico de Alcoforado, o dinheiro é chave de acesso. Para nós, ele se transforma numa âncora que nos puxa para baixo. A “falência da ostentação” está em perceber que gastamos o que não temos para impressionar pessoas que mal conhecemos – e que o rico de verdade nem sequer nota.
Sêneca, o estoico, já criticava essa busca vazia: “Não é pobre quem tem pouco, mas sim quem deseja muito.” O rico é prisioneiro do desejo constante de mais para manter o status. Nós somos prisioneiros do desejo de ter o que ele tem, sacrificando a paz financeira.
A diferença é brutal: enquanto o rico gasta para acumular capital social (uma casa de campo é local para fechar negócios), nós gastamos para acumular capital de imagem (o selfie perfeito para ganhar likes). O primeiro gera riqueza real; o segundo, apenas dívida e ansiedade.
Nessa espiral de consumo forçado, surge a única liberdade real para quem está fora do clube: a desistência. A “Coisa de Pobre” vira um ativo quando nos permitimos falir na performance da ostentação.
Jean-Paul Sartre defendia que estamos condenados à liberdade – a ter que fazer escolhas e arcar com elas. Nossa escolha mais radical hoje é: usar nosso tempo para pagar boletos ou para viver o presente?
Pense nos turistas em Guarapari durante a alta temporada. Eles representam a falência da ostentação na sua forma mais alegre. Quem planeja o ano inteiro para ir à praia investe em memória e descanso. Aceita a multidão porque o valor do tempo de folga é maior que o incômodo. São a prova de que a única coisa que realmente importa é a alegria simples de estar na praia.
Parafraseando Sócrates: a vida não examinada pode ser indigna, mas a vida exaustivamente ostentada é, no mínimo, insustentável.
E aí, você vai continuar financiando a performance alheia, ou vai declarar a falência da ostentação para investir no seu tempo feliz?
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As informações e/ou opiniões contidas neste artigo são de cunho pessoal e de responsabilidade do autor; além disso, não refletem, necessariamente, os posicionamentos do folhaonline.es
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