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Rabiscos que ferem

Por Glenda Machado

Publicado em 9 de março de 2015 às 21:30

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Professores revelam a forte carga emocional que enfrentam diariamente em sala de aula. E confessam: os primeiros dias do ano letivo são os mais difíceis. Desenhos e histórias denunciam maus-tratos durante o recesso escolar

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Muitas crianças dizem não gostar da “volta às aulas”. Ficam acostumadas com o lazer das férias e aí vem a resistência para se adaptar novamente ao ritmo escolar. Mas não é assim com todos os alunos. Muitos não vêem a hora do ano letivo começar. Se não fossem os motivos que os fazem desejar esse retorno, seria algo a se comemorar. No entanto, são algo a se pensar e repensar no valor da família.Costumamos achar que se trata de casos distantes a nossa realidade, quando na verdade estão bem ali. Nós é que não queremos ver.

O Folha da Cidade conversou com três professoras da rede pública municipal que nos contaram de forma exclusiva um pouco da forte carga emocional com qual se deparam diariamente em sala de aula. Elas confessam que os primeiros dias do ano letivo são os mais difíceis. Não vamos divulgar os nomes dessas profissionais nem das escolas onde trabalham como uma forma de preservá-las, assim como as crianças.

Desenhos projetam a realidade

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Imagine entrar na sala de aula no primeiro dia e pedir aos alunos que desenhem como foram as férias e, no lugar de brinquedos, se deparar com desenhos de armas; no lugar de jogos, afazeres domésticos; no lugar de brincadeiras, trabalho pesado. Como é o caso de um menino de apenas 4 anos que, em sua inocência, desenhou a ele próprio e o irmão mais velho empurrando um carrinho de picolé na praia. Essa foi a diversão dele durante o recesso escolar.

“Ele contou que ia para a praia com o irmão mais velho vender picolé, enquanto a mãe trabalhava. Ele diz que às vezes ficava cansado de andar de um lado para outro, mas que era legal. Era melhor ficar com o irmão do que sozinho em casa”, conta uma das professoras. De acordo com ela, o menino também reclamou muito do sol forte. “Também me contou que a melhor hora era quando eles entravam no mar para se refrescar. Aí, por alguns minutos, eles podiam voltar a ser simplesmente crianças”.

Outro desenho também chamou a atenção. Na verdade, a falta dele. Um menino de 6 anos não quis participar da atividade e quando questionado pela professora, respondeu que não gostou das férias e que estava feliz em estar de volta à escola e com muitas saudades da tia. Afinal, a escola para muitas dessas crianças é mais que um lugar para se alfabetizar, mas o único onde recebem carinho, atenção e cuidados. E depois de muita conversa, a professora conseguiu descobrir o que havia acontecido de tão ruim durante o recesso escolar.

“A mãe o obrigava a vender doces caseiros pelas ruas, praias, sinal, calçadão. Não importava onde, ele só podia voltar depois de vender tudo. Sem ter o que comer na rua, muitas vezes acabava comendo o próprio doce. Mas o trauma foi do dia em que voltou com alguns doces e a mãe o obrigou a comer todos, inclusive empurrando vários ao mesmo tempo na boca do próprio filho”, lamenta a professora.

Do que vocês mais sentiram falta da escola?

Mais uma situação. Qual seria a sua reação ao entrar na sala de aula no primeiro dia e perguntar aos alunos do que mais sentiram falta da escola e ouvir a resposta em coro: da comida? Afinal, muitas dessas crianças têm acesso à alimentação apenas no colégio. Uma das professoras não consegue se esquecer do dia em que seu aluno de apenas 4 anos chegou para a aula reclamando de dores nas costas e ao levantar a blusa pode ver o horror que esse menino vive em casa: as costas estavam em carne viva.

“Ele contou que apanhou com aqueles arames de cerca. E quando perguntei o motivo, ele disse que falou com a mãe que estava com fome e então pediu um pão e um copo de água. Não tive coragem de continuar a conversa. Mas ao vê-lo almoçando, cheguei perto e perguntei quando ele iria comer de novo e ele respondeu ‘amanhã de manhã quando eu chegar à escola para o café’. E o pior é quem tem mais cinco irmãos dentro de casa sem ter o que comer”, revela outra professora, com os olhos marejados.

Medo de denunciar

Em teoria, essas professoras deveriam relatar esses casos ao Conselho Tutelar. Mas na prática, a realidade é bem diferente. Embora sintam a dor dessas crianças, muitas desistiram de denunciar diante da impunidade enraizada na legislação brasileira, além do medo das consequências perante ameaças pessoais e contra as próprias crianças por parte dos familiares da vítima. No entanto, a lei 8069/1990 é bem clara no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O artigo 18 diz que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao conselho tutelar da respectiva localidade sem prejuízo de outras providências legais”. E continua: “a proteção de criança e adolescente contra vitimização doméstica é dever de todo cidadão e não apenas de profissionais”.

Mas no caso de profissionais ligados à área, a responsabilidade é um pouco maior. O artigo 245 diz que “deixar o médico, o professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente, os casos de que tiver conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança e adolescentes, pena: multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando o cobro em casos de reincidência”.

E aí: o que fazer? Na próxima edição, vamos trazer o outro lado da história para tentar entender como funciona esse processo da denúncia e o que é feito depois da confirmação dos maus-tratos. A quem recorrer, qual órgão se deve procurar, qual autoridade é responsável e o mais importante o que acontece com essas crianças após a acusação. Por enquanto, pense e repense no valor da família.

Reportagem: Lívia Rangel

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