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Coluna Marcelo Moryan: 2027: o único pedido que me importa
Por Marcelo Moryan
Publicado em 28 de dezembro de 2025 às 15:00
Atualizado em 28 de dezembro de 2025 às 15:00
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Não, você não leu errado. Estamos em 2025, o calendário aponta para 2026, mas eu já estou com os pés em 2027. Recuso-me a entrar no próximo ano mendigando as trivialidades de sempre: o milagre da calvície, o título do meu time ou a estabilidade de uma economia que insiste em ser o eletrocardiograma de um paciente terminal.
Quero chegar ao final de 2026 comemorando o óbvio que virou utopia: termos parado de matar mulheres.
Sei que soa ingênuo, quase patético, diante da estatística carniceira de 2025. Mas meu brinde de 2027 depende de uma trégua que a humanidade ainda não assinou. Para entender o futuro, precisei revisitar o passado que o Brasil insiste em maquiar. Lindomar Castilho, o “romântico” de voz aveludada, morreu aos 85 anos, neste último 20 de dezembro de 2025. Em 1998, ele descarregou cinco tiros em sua esposa, Eliane, enquanto ela cantava “João e Maria” no palco do bar Belle Époque.
O destino, esse roteirista irônico, fez com que as balas a encontrassem exatamente no verso: “agora era fatal, que o faz de conta terminasse assim”. O faz de conta de Lindomar era o amor; a realidade de Eliane foi o chumbo. Ele cumpriu oito anos. A “Justiça” — essa entidade de memória curta e moral seletiva — o libertou para que o rádio continuasse tocando suas canções, enquanto Lívia Rocha, a filha do casal, sentenciava: “Também morri em vida.”
É que o feminicídio possui um efeito colateral que o código penal ignora: ele assassina também quem fica. Lívia não teve luto; teve uma herança maldita. Carregou o sobrenome do carrasco e ouviu a voz que silenciou sua mãe ser celebrada como patrimônio cultural. O Brasil prefere a amnésia à justiça, separando o “artista” do “homem”, como se fosse possível extrair melodia de mãos sujas de sangue.
Existe uma verdade científica que deveria envergonhar qualquer “machão” de testosterona pulsante: você foi, primeiramente, uma mulher. Nas primeiras semanas de gestação, a natureza estabelece o feminino como o template base da humanidade. O clitóris vem antes do pênis. O homem é uma customização tardia, uma versão editada, um upgrade que, muitas vezes, falha miseravelmente em sua função básica de humanidade.
Para que você respirasse, uma mulher sangrou. Seus ossos foram moldados pelo cálcio dela; seu coração aprendeu o ritmo no ventre dela. Se até o sagrado recusou-se a existir sem passar pelo corpo de uma mulher, quem é o homem para destruí-lo?
Vivemos uma esquizofrenia moral. Idolatramos a “Santa” (mãe) no domingo e eliminamos a “Propriedade” (esposa) na segunda. Compartimentalizamos o feminino: beijamos a mão da mãe e estrangulamos a esposa que ousa ter vontade própria. Somos especialistas em amar mulheres mortas e matar mulheres vivas.
Meu único pedido para 2027 é simples, urgente e desesperado: poder brindar aquele ano sem precisar reescrever esta coluna. Quero que a estatística de 2026 seja tão diferente que pareça mentira. Quero que entendamos, de uma vez por todas, que matar uma mulher é matar a própria origem.
Não se sobrevive após destruir o ventre que nos consagrou. O assassino é, antes de tudo, um suicida existencial. E se você ainda duvida, olhe para Lívia Rocha. Ela é a prova viva de que, quando uma mulher é apagada, o mundo inteiro mergulha no escuro.
Que em 2027, a luz nos revele que o túnel foi apenas o álibi da nossa cegueira deliberada. Nunca estivemos perdidos; estávamos apenas ocupados demais asfixiando o sol que nos gerou para notar que, ao apagar o feminino, é o nosso próprio futuro que mergulha no breu.
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As informações e/ou opiniões contidas neste artigo são de cunho pessoal e de responsabilidade do autor; além disso, não refletem, necessariamente, os posicionamentos do folhaonline.es
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