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Liberdade e consciência

Por Livia Rangel

Publicado em 21 de novembro de 2014 às 00:00

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Texto de José Amaral F. Filho – Historiador

Toda forma de escravidão sempre teve como base de sustentação para sua prática o discurso de haverem homens superiores e homens inferiores. Tão superiores que reduziam aqueles que julgavam inferiores, mas necessários, a condição de escravos. Dessa forma se procedeu em quase toda a História da Humanidade: na Babilônia, Roma, Grécia, Europa, América. Os derrotados nas guerras ou que cultuavam outros deuses geralmente eram submetidos ao cativeiro quando capturados.

Na África essa prática também era comum nas guerras tribais e justamente por isso serviu como um dos pretextos usados na comercialização de escravos principalmente para o Brasil. Para os portugueses era uma conclusão lógica que contava com total apoio da igreja na época, pois o norte da África era quase todo dominado por muçulmanos, o que deixava os habitantes daquela região na condição de hereges. Além de haver uma grande leva de teólogos que se baseavam no argumento de serem os negros africanos “canitas”, descendentes de Cã, filho de Noé que havia sido banido e amaldiçoada toda sua descendência, e que recebera uma marca que os diferenciaria dos outros homens. Logo, a cor foi usada para justificar a tal marca.

Ao chegarem ao Brasil, os portugueses não tiveram grandes interesses em colonizar a terra, mas explorar produtos de maior consumo na Europa como o Pau Brasil, do qual se obtinha um dos mais caros pigmentos da época, o vermelho. Para esse tipo de trabalho os índios se mostraram muito eficientes, pois não os prendia a um local nem a uma rotina. E o fato de não conhecerem ferramentas de ferro, os maravilhou com a rapidez com que passaram a derrubar uma arvore. Anos mais tarde, quando começou o povoamento, esses mesmos índios, também chamados de gentio, passaram a ser tratados como escravos nas lavouras, o que gerou grande insatisfação entre eles e a reação de alguns religiosos Franciscanos que questionaram o direito de se escravizar os índios, pois eram tratados como gentio (pessoas sem alma) e nunca tinham ouvido falar de Jesus e por isso não podiam ser considerados hereges, o que os livrava da escravidão.

Mas, com tanta terra para ser cultivada era necessária mão de obra. Com isso o comércio de escravos africanos passa a ser um dos mais lucrativos e desumanos negócios que já existiu. Estima-se que cerca de 50 milhões de africanos foram seqüestrados para a América até o fim do comércio legal de escravos. A maioria para o Brasil. Para diversas partes diferentes, que exigiam também diferentes formas de se escravizar. Algumas iam além da privação da liberdade, pois tinham como meio de controle o castigo físico e a tortura.

No auge do século XVIII, quando o sistema escravista era ainda visto como o modelo ideal de desenvolvimento e trabalho, Guarapari viveu um momento inusitado em toda a História do Brasil. 100 anos depois da cruel e desumana chacina de Palmares surge aqui uma “República Negra” como foi descrito por Maximiliano de Neuwied, um naturalista austríaco que viajou para o Brasil no início do século XIX. Segundo ele em Guarapari eram festivos e receptivos, o que os diferenciavam dos quilombolas de Minas e Goiás. Esses escravos comercializavam com os moradores da vila. Pertenciam até 1769, ao Padre Antônio de Siqueira Quental que era proprietário de duas enormes fazendas, a do Campo e do Engenho Velho. Possuía, para fazê-las produzir, mais de 800 escravos. Assim que ele morreu os escravos das duas fazendas se juntaram e cessaram a produção de açúcar e passaram a trabalhar de forma livre comercializando com a vila produtos que coletavam nas matas.

Foram muitas as revoltas escravas que houveram no Brasil por liberdade. Muitas delas ainda ecoam hoje, pois as condições humanas e sociais necessárias para se viver em pé de igualdade de direitos e cidadania ainda vêm acontecendo de forma tímida no Brasil. Negros ainda são os mais assassinados, são os mais marginalizados, são os mais encarcerados e nossa moderna e desenvolvida sociedade apenas finge que nada disso acontece ao seu redor. Desde as primeiras leis que buscavam acabar com a escravidão no Brasil, não houveram políticas de inserção dos libertos na sociedade. Enquanto de abriam portões de senzalas, se quebravam grilhões, se rompiam correntes, distribuía-se terra para colonos recém chegados da Europa e mais uma vez se excluía o brasileiro pobre e negro. Para esse restaram os morros e os antigos quilombos, a sarjeta e a marginalidade. Hoje ainda busca-se de várias formas meios de suprir esses erros de mais de um século que tanto nos impactam.

Mas, grande parte das medidas adotadas são vistas ainda com maus olhos por um percentual da sociedade que acha que não existe desigualdade e que as oportunidades são iguais para todos. Essas oportunidades só não são iguais quando vemos os números de jovens negros assassinados muito maior que o de brancos; quando vimos que há mais encarcerados negros que brancos; quando vimos que há mais violência sexual contra mulheres negras que brancas; quando vemos que há mais negros na marginalidade que brancos. Os números se invertem quando buscamos diplomas universitários, políticos, empresários. A falta de oportunidades vem gerando essa desigualdade há séculos. A escola sempre ensinou a ser branco.

A política de cotas adotada atualmente é uma dessas metas de reparação necessária e que deve ser acompanhada de uma série de melhorias, não combatida para que acabe, pois chegar a uma universidade, a um cargo público parece ser um dos elos que ainda restam para privar a muitos negros e pobres de viver sua liberdade. Liberdade de conhecer, de saber e de sonhar.

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