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Coluna Marcelo Moryan: Café e política: os dois golpes que a gente toma todo dia
Por Marcelo Moryan
Publicado em 16 de novembro de 2025 às 18:00
Atualizado em 16 de novembro de 2025 às 18:00
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Eu amo café. Entendo de café. Sei que aquele boost matinal é pura ilusão química — e aceito o acordo, feliz. Porque café é um prazer que me governa, não uma mentira que me prejudica. Degusto meu espresso sabendo que estou apenas adiando o cansaço, não curando. É um autoengano consentido. O problema começa quando a gestão pública vira cafeteria — e a cidade toda é obrigada a beber o café aguado da demagogia, sem ter pedido, sem saber o preço, e sem poder recusar.
A cafeína funciona porque ocupa o lugar da adenosina — aquela substância que avisa seu cérebro: “você tá cansado, descanse”. Ela bloqueia o alerta de fadiga e libera dopamina. Você se sente desperto, produtivo, invencível. Mas não está. Está apenas surdo ao próprio cansaço. Depois vem o crash: a conta chega em dobro.
Guarde esse truque. Ele explica perfeitamente a política em Malcondo (sim, nossa cidadezinha de realismo fantástico, batizada em homenagem irônica a Macondo, de García Márquez — onde o absurdo vira rotina e a mágica encobre o mato).
O governo-barista: muito espuma, zero entrega
Em Malcondo, nossos gestores viraram mestres do espresso retórico. Moem promessas, filtram por assessoria, vaporizam indignação e servem pão com circo em copinho instagramável.
A fórmula é escolar: o povo reclama de buraco na rua, ônibus lotado, posto sem remédio, mato tomando conta da entrada da cidade. O governo bloqueia a cobrança com megaevento, “comissão especial”, anúncio pomposo com hashtag. Todo mundo vibra. Três meses depois, cadê a obra? Evaporou que nem espuma de cappuccino requentado.
Aqui temos pontes anunciadas sem rio e rios transbordando sem ponte. Verbas que só aparecem em desfile oficial. Chuvas que caem no stories da prefeitura mas evaporam antes de chegar no asfalto.
E quem reclama vira “inimigo”
Não importa se você torce pela cidade, se quer ver Malcondo crescer, se paga seus impostos. Basta apontar um buraco, questionar um atraso, pedir transparência — pronto, você é oposição. Chato, invejoso, estraga-festa.
No governo-balada, quem pede prestação de contas é tratado como quem reclama do volume no meio do show. Não interessa se sua casa tá caindo, se o ônibus não passa, se o mato na entrada da cidade dá as boas-vindas aos visitantes. O importante é não estragar a vibe.
Resultado? Som alto pra que ninguém ouça, luz de LED pra que ninguém veja o que falta: remédio, caçamba, asfalto e bom senso. E o que sobra: mato, entulho, promessas e mais promessas. Ah, mas música — essa nunca falta.
A diferença entre meu café e a política deles
Eu aceito a ilusão cafeinada porque escolhi saborear, sei que é ilusão, pago a conta e o prazer compensa. Já a cafeína política é diferente: ninguém pediu, ninguém sabe o preço real, o crash é coletivo (saúde sucateada, cidade com ares de dilúvio), e o prazer é só da gestão.
Acordar de verdade
A cura? Descafeinar a gestão: tirar espuma da licitação, trocar live por entrega, anúncio por execução, outdoor por obra. Permitir crítica sem retaliação.
Porque o truque da cafeína é cruel: não cria energia, só silencia o cansaço. E uma cidade que só recebe anestésico de palco em vez de tratamento de raiz vira uma república miniatura, sempre acordada e eternamente improdutiva, afundando devagar enquanto aplaude.
Eu continuo amando meu café. Sei quando parar, aceito o acordo.
Mas de política-cafeína? Dessa eu quero descafeinado. Obra sem holofote, resultado sem pirotecnia.
A pergunta que fica: até quando Malcondo, sem planejamento estratégico, vai aplaudir o barista enquanto o mato toma conta da entrada e o entulho decora as esquinas?
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As informações e/ou opiniões contidas neste artigo são de cunho pessoal e de responsabilidade do autor; além disso, não refletem, necessariamente, os posicionamentos do folhaonline.es
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