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Guarapari: historiador autista e a mãe falam sobre inclusão e oportunidade

Por Aline Couto

Publicado em 16 de agosto de 2022 às 11:19

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Em busca de inserção no mercado de trabalho, o historiador Gustavo Souza, diagnosticado com transtorno autista desde os cinco anos, gravou na semana passada um vídeo ao lado da mãe, Sandra Souza, desabafando sobre a situação. Gustavo nunca trabalhou e busca oportunidade de emprego para ser inserido na sociedade. O rapaz de 24 anos encontra dificuldades por conta da falta de informação e do preconceito com a condição.

A mãe contou que a ideia do vídeo surgiu depois de ver a angústia do filho após uma conversa. “Resolvi fazer o vídeo devido a uma conversa que Gustavo teve comigo. Tem anos que estamos nessa situação, e ele começou a ficar deprimido. Me contou que não se sentia pertencido e achava que não devia ter nascido. Que não fazia diferença para ninguém e não sabia o que estava fazendo no mundo. Eu como mãe fiquei muito triste e preocupada. Não sou eterna, não sei o que pode acontecer comigo amanhã e deixar ele sozinho sem um futuro também me angustia. Gustavo fica vendo todos seguindo em frente e ele parado, em casa como uma criança pequena”, desabafou a mãe.

Sandra também relatou que a família de um autista é atípica e a acaba se tornando invisível com o passar do tempo. “A família também passa a ficar meio invisível, passa a ficar dentro de casa, não ter vida social, só sai pelo necessário e acaba se acostumando com aquilo e ficando. Só que isso precisa ser mudado, não dá para ficar parada vendo meu filho fazer 24,25,26 anos na mesma situação sem que nada mude, como se estivesse tudo bem e eu fosse viver para sempre. É um problema que não estamos conseguindo sanar. A própria angústia dele e a nossa impulsionou para o apelo no vídeo. Apesar de não gostarmos de nos expor, precisávamos falar da nossa realidade”.

historiador autista 2 - Guarapari: historiador autista e a mãe falam sobre inclusão e oportunidade
Fotos e vídeo: arquivo pessoal.

Diante do desabafo no vídeo, o folhaonline.es convidou mãe e filho para uma entrevista em que puderam contar toda trajetória do historiador e as dificuldades enfrentadas até hoje.

Confira:

Folha: Qual foi a intenção do vídeo?

Sandra: Foi um apelo, não só para nós, mas para as outras pessoas nas condições do Gustavo. Foi um desabafo sobre o autista adulto não ter oportunidade. Precisávamos chamar atenção das autoridades, e da própria sociedade para esse isolamento do autista, porque o transtorno é muito invisível, diferente de outras deficiências, e a pessoa também acaba ficando meio invisível na sociedade. A intenção do vídeo nunca foi de causar, inclusive ele teve uma repercussão maior que imaginávamos, nós só queríamos desabafar e mostrar a nossa realidade, a realidade da pessoa com autismo.

Folha: Quais dificuldades vocês passaram pela condição do Gustavo?

Sandra: São inúmeras as dificuldades, que vão desde o diagnóstico quando estava perto de fazer cinco anos até o engajamento na escola. Ele passou pela Pestallozi que não deu certo, depois foi para escolas comuns que foram muito boas. As profissionais não estavam acostumadas a lidar com o autismo na época quando a condição não era nem falada pelos próprios médicos, mas elas abraçaram a causa junto comigo e o médico para que ele fosse inserido na escola comum, normal. Mas passamos por inúmeras dificuldades como para conseguir diagnóstico, que não foi possível dentro do estado do Espírito Santo, em Minas Gerais, porque minha família é de lá. Depois de ter praticamente rodado o Espírito Santo todo em busca de diagnóstico e não ter conseguido, a gente foi para Belo Horizonte e achamos um neurologista, que inclusive está com ele até hoje. Mas as dificuldades são inúmeras, desde a adaptação nas escolas, de não ter profissional que trabalhava na época a terapia do autismo – ABA, não ter um terapeuta ocupacional, de eu ter que pegar papel com o neurologista para me ensinar o que fazer em casa, comprar algum material para que eu pudesse fazer essa terapia em casa, porque não tinha quem trabalhasse isso. E a escola foi aprendendo comigo. São enormes as lutas, na época do Gustavo as pessoas não tinham tanto conhecimento do transtorno autismo, as pessoas confundiam muito com lesão e atrofiamento cerebral, como retardamento mental, e não sabiam nem como lidar com meu filho.

Já aconteceu de eu estar em casa e ter que sair correndo para a escola para resolver alguma situação que as pessoas não conseguiam resolver, mesmo com a boa vontade de todos, mas eu tinha que estar junto para intervir.

Folha: Como foi o caminho até a faculdade?

Gustavo: Com muita batalha, ajuda de profissionais de boa vontade para trabalhar comigo e do meu próprio neurologista, consegui chegar à faculdade. Como eu não tinha condições de frequentar diariamente um campus, a gente buscou uma faculdade semipresencial aqui em Guarapari mesmo.

Sandra: Nós tínhamos essa dificuldade de colocar ele em um ônibus, em um campus, como em uma federal em Vila Velha. Então a gente optou na época, inclusive com ajuda de um profissional que estava trabalhando com ele e nos deu a orientação que seria interessante uma faculdade de história, que é o que ele gosta e tem facilidade em humanas, fazer em semipresencial. Mas foi um longo caminho.

Folha: Como Gustavo passa os dias sem poder exercer a profissão?

Sandra: Ele passa os dias totalmente ocioso sem poder exercer a profissão dele. É um grande problema. Ele tem 24 anos, mas não leva a vida de um adulto dessa idade. Ele fica em casa e só vai para o pilates. Não tem amigos e nunca namorou.

Folha: Vocês acreditam que há receio/preconceito com relação a competência dos autistas no mercado de trabalho?

Gustavo: Acho que há um preconceito muito velado, as pessoas falam que são inclusivas, mas só que na prática isso não acontece. Existe meio que um preconceito porque as vezes a pessoa é meio alienada e não busca se informar melhor, acha que as pessoas autistas não são capazes como uma outra pessoa “normal” faria. Acham que não somos capazes que nunca devemos trabalhar.

Sandra: Acho que há muita falta de informação e desconhecimento com o autismo. Confundem com lesão cerebral, atrofiamento, entre outras coisas e rola o preconceito velado como Gustavo disse.

Folha: Gustavo já sofreu/sofre algum tipo de preconceito?

Sandra: Já sofreu e sofre até hoje vários tipos de preconceitos.

Gustavo: Sofri muito bullying dos meus colegas em toda minha caminhado do colégio, sofri sim muito preconceito. Em alguns dias eu ficava muito mal e já quis até parar de estudar. Minha mãe muitas vezes interveio junto a escola para ajudar.

FolhaOnline HistoriadorAutista - Guarapari: historiador autista e a mãe falam sobre inclusão e oportunidade

Folha: O que acham que pode ser feito para que haja uma maior inclusão do autista na sociedade e no mercado de trabalho?

Sandra: Faltam políticas públicas e informação para a própria sociedade sobre o transtorno autista. Às vezes eu vejo que nos próprios grupos de autistas as pessoas não são bem-informadas. Muitas mães procuram a cura para o autismo, um milagre, um remédio milagroso que tire o filho dela da condição de autista, sendo que não tem cura. Existe o controlo, o transtorno migra de um estado para o outro. Por exemplo, o Gustavo quando foi diagnosticado foi com um autismo leve, tem o moderado e o grave também, então a pessoa pode migrar para os três estágios, mas não pode ser curado.

Gustavo hoje é considerado Asperger, dentro do espectro autista, mas até as próprias famílias, pessoas, pais não tem informações e seguem procurando cura para o autismo. É necessário que se tenha mais projetos onde haja informações claras, tanto para a sociedade como para a escola. As vezes a pessoa é formada em educação especial, mas ela abrange somente o cadeirante, a síndrome de down, o que tem outra deficiência. Mas para o autista não, ele é muito incompreendido. Às vezes eu vejo projetos maiores para um portador de down, e o autismo não tem nenhum projeto. Eu acredito que poderiam ser feitos projetos sociais para incluir o autista na sociedade, com mais informações. As pessoas tinham que estudar mais um pouco o transtorno e colocar essas políticas em prática para que as pessoas como Gustavo sejam aceitas sem discriminação. Tem que acontecer essa inclusão. Até pessoas próximas a nós tem um preconceito. Para você ter uma ideia, já tive casos de ter convite para uma festa onde meu filho não estava incluído, eu teria que ir sozinha sem ele, ou eu e meu marido sem ele. Lógico que dispensei, se meu filho estava sendo excluído como vou aceitar um convite desse, não vou excluir meu filho. Falta amor e empatia também, pensar no outro, na dor do outro. Tentar se colocar no lugar do outro.

Folha: Acredita que o poder público peca nessa inserção? Poderia fazer mais?

Sandra: Ele peca e muito, poderia fazer mais sim. Se fazem projetos para tudo hoje em dia, mas para o autismo não. Então acredito que eles poderiam fazer muito mais. Fazer uns trabalhos, uns cursos, se envolver muito mais com a causa autista. Ofertar cursos profissionalizantes e abrir o mercado de trabalho. Que houvesse projetos sociais e no esporte para os portadores. A gente não vê isso. O poder público pode e deve se sentar e estudar para fazer bem mais.

Folha: Qual o maior sonho/projeto de vocês?

Sandra: Nosso maior sonho é que Gustavo seja inserido na sociedade de fato, como um trabalhador, de preferência na área que se formou. Ele quer fazer uma pós em museologia, aqui em Guarapari não tem, mas as vezes consegue fazer em outro local. Ele inserido no mercado de trabalho vai abrir portas para que ele faça amigos e conheça alguém que ele possa namorar, para que ele tenha uma vida de um rapaz de 24 anos. Quero que ele possa de fato caminhar com as próprias pernas, lógico que terá o nosso apoio sempre, mas que possa alcançar os projetos e sonhos dele, como ser humano, como pessoa adulta, para se sentir pertencido e valorizado. E se sentir uma pessoa humana como qualquer outra. Ele sente que ficou estacionado, quero que ele ande junto aos outro e alcance o lugar ao sol.

Gustavo: Meu sonho é ser incluído na sociedade, que me vejam como pessoa mesmo, que eu tenho uma vida de uma pessoa de 24 anos “normal”. Minha prioridade principal depois que me formei é trabalhar em museu, meu sonho, é o que realmente eu gosto na vida.

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